sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

oque é enxergar.O que é ver? Das múltiplas possibilidades de percepção A luz, em sua incrível velocidade, vem do mundo e atravessa a camada transparente mais externa do olho, que envolve a íris. Íris é a “menina dos olhos”, a parte que colore o rosto de verde, azul ou castanho de vários tons, de acordo com a loteria genética da herança familiar. Seguindo o percurso dela, a luz passa pelo cristalino, que focaliza os objetos nas variáveis distâncias, e chega à retina que reveste o olho internamente. É ela que capta as luzes e imagens que são transferidas para o nervo óptico – última etapa antes de a imagem chegar ao cérebro, onde é decodificada em informação e é interpretada pelo vidente. Mas ver inclui outros elementos que ultrapassam tais explicações fisiológicas. Nem toda a informação vem da mágica luz que envolve os olhos: que o diga o poeta que traz imagens de dentro de si, e nos faz ver, por meio de palavras; ou o pintor que cria o nunca antes visto, em traços que possibilitam múltiplas interpretações sendo sempre os mesmos; ou ainda a música que toca a alma, mesmo quando movemos os pés no seu ritmo mantendo os olhos fechados. Nascemos aptos a ver não só com os olhos: mas com cérebro, ouvidos, nariz, boca, pele, unhas. É possível ver com aromas doces, ruídos ásperos, gostos quentes. Basta a nós descobrir essa possibilidade, e ver. Os olhos nos ordenam ver só por eles. Acreditamos na visão. Nos informamos pela visão. Amamos pela visão. Idolatramos o olhar. Os olhos nos dizem o que, como e quanto devemos ver. E muitas vezes, somente quando, por um motivo ou outro, o olho deixa de ordenar, é que as outras formas de ver acordam e passam a cumprir a função. Desconstruções iniciais Como não podia deixar de ser, minha primeira entrevista para pensar a cegueira foi com o Senso comum. E ele me disse: vai lá, menina, fala das dificuldades que os coitadinhos dos cegos passam, imagine! Viver na escuridão todo o tempo... Você pode falar também da superação, já que o cego normalmente tem superpoderes auditivos e táteis: use uma venda para saber como é ser cega. O senso-comum estava equivocado. Paradoxalmente, descobri que a minha visão sobre a cegueira é que era deficiente. Almocei com Alfredo Roberto Carvalho, professor que trabalha no CAP (Centro de Apoio Pedagógico para Pessoas com Deficiência Visual). Mesmo sem ver, ele percebeu que eu tinha andado conversando com o senso comum, e logo me esclareceu alguns pontos: a idéia que se faz da cegueira teve três etapas, a que chamamos mística, a biológica e a sociopsicológica. Quem fala isso é a pessoa que, até hoje, melhor compreendeu a cegueira mesmo sem ser cego, Vigotski, você deve ler o “A criança cega”, eu tenho o texto e te passo. - A visão mística é a mais antiga de todas, surgiu na Antigüidade, passou pela Idade Média e chegou até a Modernidade. E ainda é possível ver traços dela na atualidade. O cego seria um ser inválido, indefeso. Ora retratado como castigado por um pecado e portador de um mau espírito, era útil somente para que se fizesse caridade. Ainda nesse período, surge a idéia do magnífico poder sensível do cego, que é retratado nas obras literárias do período: muitos profetas e adivinhos eram cegos, portadores de “uma luz interior”. Lembrei na hora do cego Tirésias da tragédia Édipo Rei, Tirésias podia esclarecer o presente, prever o futuro e dar conselhos sábios. - Para tais estereótipos, nada de pesquisas científicas ou o próprio relato de experiência dos cegos, tudo era baseado em crendices e mitos estereotipados. A ciência só passou a ser utilizada no Iluminismo (século 18). Nessa época segundo Vigotski “no lugar da mística foi posta a ciência, no lugar do preconceito, a experiência e o estudo” é a visão biológica. No entanto, passou a se pensar que a cegueira trazia uma imediata compensação por parte dos outros sentidos, que os cegos desenvolviam automaticamente ou uma audição espetacular ou um tato aguçado, que substituiriam a visão. A verdade é que a audição e o tato são os mesmos, só passam a ser mais utilizados e percebidos, e isso não é automático. - Existe sim uma adaptação tanto dos sentidos quanto das estruturas psicológicas para que o cego possa se inserir na sociedade, isso é o que afirma a concepção sociopsicológica. Por meio da supercompensação o cego se coloca na posição de sujeito ativo, e o objetivo é passar a ser visto como ser com validade social. Nem todos conseguem, “A cegueira cria dificuldades para a participação do cego na vida. Por esta linha se aviva o conflito. A cegueira põe o seu portador em uma determinada e difícil posição social. A cegueira não faz inválidos, isso pode acontecer ou não de acordo com as relações sociais, e nisso há uma parcela de responsabilidade da sociedade e outra do sujeito, não somos totalmente determinados, podemos fazer opções. O que dificulta é que a sociedade é organizada a partir de um padrão de pessoa, se não se romperam os estereótipos não há como o cego conquistar autonomia. Referências: 1 VIGOTSKI em A criança cega. 2 Enio Rodrigues da Rosa, em entrevista Subtítulo 1: Mitos sobre a cegueira. A visão que proíbe o ver Mito: [...] Idéia falsa, que distorce a realidade ou não corresponde a ela (Aurélio) Mito 1: A vida na escuridão. Coloque as mãos sobre os seus olhos. A sensação de estar na escuridão é imediata. Mas não é isso que sente um cego: se não há sensação de claridade, como haverá a de escuridão? Não há esse sentido, portanto o cego não vive numa escuridão permanente, não há consciência da própria cegueira. Mito 2: Piedade e doença. “Pobrezinho!” “Que dó!” “Viver assim doente...”. Vários cegos afirmaram ter ouvido declarações como essas. Um deles afirmou até mesmo ter ouvido isso e descobrir posteriormente ser um mendigo quem falou. É o mito da deficiência como doença, baseado num conceito de sanidade bastante questionável. Qual é o remédio para uma deficiência? Qual é o tratamento? Qual é o período de cura? Não há respostas a essas perguntas porque deficiência não é doença, é uma característica que impõe limitações, mas que podem ser superadas. “Na raíz de todas as formas de exclusão está a idéia de que as pessoas com deficiência são inúteis para o trabalho”2. É preciso olhar para a deficiência como diferença e não como incapacidade. Mito 3: Vejo, logo existe. Costumamos acreditar no que vemos. Esquecemos que nossos próprios olhos nos limitam: “A realidade real não existe na verdade, sempre é um olhar condicionado. Igual ao olhar do homem, vê um mundo de um jeito, o animal vê de outro. Cada experiência de olhar é um limite, a gente não conhece as coisas como elas são, só mediados por nossa experiência”3. “Se o Romeu da história tivesse os olhos de um falcão, provavelmente não se apaixonaria pela Julieta porque os olhos dele veriam uma pele que não seria agradável de ver. Porque a acuidade visual do falcão, cujos olhos o Romeu teria, não mostraria a pele humana como nós a vemos”4. O que Saramago diz é que o mundo não é exatamente como nós o vemos, costumamos esquecer os limites do visível impostos pelo nosso olho. O oftalmologista Antônio Komatsu explica que “A capacidade da visão tem relação com a retina, é nela que se formam as imagens do que vemos, após isso o nervo ótico as transmite para o cérebro onde são interpretadas”. De acordo com a formação da retina há animais capazes de ver mais ou menos do que o homem. O que é a realidade? Mito 4: A caverna atual: O normal é como eu faço. Nelson Cabral, que trabalha no CAP, contou que um dia lhe perguntaram como um cego fazia para colocar o creme dental na escova. Ora, quem disse que o creme dental tem que ser colocado na escova? Colocá-la direto na boca seria uma boa opção, já que é uma região bastante sensível. É o que acontece em diversas situações: olhamos, olhamos novamente, vemos outra vez, e essa rotina determina a normalidade ou anormalidade de algo. A partir da idéia de que o normal é o que eu faço, surge a incapacidade de pensar no diferente. Mas não, o normal não é o que eu faço, o normal é o possível, independente do sentido que o determina. Como o mito da caverna de Platão, em que a crença de que a sombra condizia ao real, trazia uma visão equivocada da realidade. “Mas vocês não são videntes clássicos, vocês são cegos, porque, atualmente, vivemos em um mundo que perdeu a visão. A televisão nos propõe imagens prontas e não sabemos mais vê-las, não vemos mais nada porque perdemos o olhar interior, perdemos o distanciamento. Em outras palavras, vivemos em uma espécie de cegueira generalizada”5. Referências: 3 Paulo Cezar Lopes, professor de literatura, no documentário Janelas da Alma 4 José Saramago, escritor português, no documentário Janelas da Alma 5 Eugen Bavcar, no documentário Janelas da Alma. Fotógrafo e filósofo francês que ficou cego em decorrência da guerra. Subtítulo 2: Braille Acesso negado Em busca do relevante Comecei a jornada pelo armário da cozinha. Peguei cada produto da despensa e observei o rótulo. Virava a massa de tomate, a gelatina, o amido de milho embaixo da luz: nada. Não procurava pela nossa informação escrita convencional, mas pela informação escrita que pudesse ser sentida. Buscava o relevo, os pequenos pontos desenvolvidos por Louis Braille que transformaram o ato de ler: os dedos substituiriam os olhos, e já não seria preciso luz. O método foi publicado em 1829, e, ainda hoje, quase dois séculos depois, não chegou ao meu armário: nem uma embalagem sequer continha as inscrições no alfabeto braille. Passei à geladeira: nada. Sem a visão é impossível saber qual a geléia de uva e qual a de morango, só se prová-las. Se optar pela de morango não sei qual seu valor nutricional, não sei qual a quantidade do produto naquela embalagem. Sem a visão o rótulo é mudo. O mesmo silêncio emanava dos produtos de limpeza, rótulos lisos e calados. No banheiro o protetor solar não diria qual o fator de proteção. O xampu e o condicionador poderiam ter a ordem de uso invertida. A esperança de Louis Braille era de ter chegado às embalagens em que é indispensável: aos remédios. Afinal, os comprimidos são idênticos, não têm cheiro, nem gosto característicos, não há como distingüi-los. Sem ler não há como diferenciar o que cura uma dor de cabeça, uma infecção ou febre. O Lexotan pode virar diclofenaco facilmente. Mas o braille não chegou. Nenhum comprimido estava identificado. Segui a busca na sala, nos botões do televisor, nos controles remotos, e só vi ausência. Antônio Muniz conta que “Existe pouca coisa em braille nos rótulos. Apenas em alguns medicamentos, produtos cosméticos e até hoje só vi um alimento que traz braille no rótulo. Nunca tive acesso a extrato bancário e contas de telefone”. Perguntei qual a sensação de poder ler em braille, ele diz “Não imagina o que é você ser autônomo! Poder ler sua própria conta de telefone, de luz, de água! Quando leio a conta de luz em braille me sinto um cidadão de verdade. Encontrar na gaveta um remédio com informação em braille, não é descrita a satisfação que temos. Mas é mais fácil descrever situações em que a gente precisa da informação em braille e os órgãos não disponibilizam. Quer coisa mais chata do que você assinar um contrato sem poder ler com sua autonomia?”. Displicência com uma minoria que clama por independência, mas é barrada. Ao que parece não vale a pena diminuir o lucro em prol de uns poucos. Na opinião de Antônio, “Os empresários acham um desperdício investir para o acesso dos cegos à informação. Acham que vão gastar muito dinheiro e também têm muito preconceito”. Depois de quase duzentos anos Louis Braille certamente se sentiria frustrado com a constante negação do que ele criou. Subtítulo 3: Pequeno manual da interação Como agir diante da diferença? É apavorante o enfrentamento do desconhecido, descobri que ignorar em que consiste a diferença me paralisava. Os cegos não têm o privilégio de viver num mundo só deles: o mundo é o mesmo, a sociedade é a mesma. O que muda são algumas dificuldades que enfrentam. Para deixar de afastá-los do nosso mundo, numa quase expulsão, alguns pontos são essenciais. Pensar neles não dói: - Ao ver um cego na rua o que fazer? Primeiramente perguntar se ele precisa de ajuda. Se não, é um direito dele; se sim, jamais o arraste, ofereça seu cotovelo dobrado e ele lhe acompanhará. Alerte sobre obstáculos ou degraus. Ao se aproximar de uma porta deixe o braço atrás. Se o local não for conhecido dele dê informações que possam ajudá-lo a se orientar posteriormente. - Como dar informações? Evite expressões como ‘aqui’, ‘ali’ e ‘do outro lado’, ele não conseguirá se localizar. Procure situá-lo como em “a cadeira está perto do seu braço direito” ou calcular a distância em metros como “ande uns vinte metros e chegará ao ponto de ônibus”. - Não há nada de errado em usar palavras como ver, olhar e ler, essas palavras não ofendem o cego. Eles lêem livros por áudio, vêem pessoas na rua e olham objetos que vão comprar, não há expressões que substituam as que os videntes usam. - Quando chegar a algum lugar onde há um cego, manifeste-se. Avise-o também quando estiver saindo, isso evita que ele fale sozinho. - Não realize tarefas que o cego possa desempenhar sozinho, ele não necessita de superproteção. Isso barra o desenvolvimento dele e faz com que se sinta inútil. - Não trate a cegueira como uma desgraça, tratá-lo com pena não ajudará em nada. O cego é capaz de participar das atividades da vida normalmente. - Não se espante com as atividades que o cego pode desenvolver sozinho, são adaptações e habilidades desenvolvidas com o tempo, nada de maravilhoso ou extraordinário que mereça comentários. Subtítulo 4: Legislação Ideal Da distância entre teoria e prática “Uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa”. Montesquieu Direitos. Integração social. Igualdade de tratamento. Igualdade de oportunidade. Respeito. Dignidade. Bem-estar. Afastar as discriminações e preconceitos de qualquer espécie. Viabilizar. Absoluta prioridade. Direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Não à discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Proibição de discriminação de salário. Cuidar da saúde. Percentual de cargos públicos. Promoção de integração à vida comunitária. Um salário mínimo. Atendimento educacional especializado. O Estado promoverá. Integração. Facilitação. Acesso. Inclusão, inserção, oferta. Eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. Acesso adequado. Adaptação de logradouros e edifícios públicos e transporte coletivo. Constitui CRIME punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa: Por motivo de deficiência: Recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno. Obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público. Negar, sem justa causa, emprego ou trabalho. Recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial. Deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei. Serão destinados recursos orçamentários específicos. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Revogam-se as disposições em contrário. 6 No papel frio está tudo exposto, organizado e determinado. Desde alguns artigos da constituição de 1988 a pessoa com deficiência recebeu a atenção das leis. A lei 7.853 de 1989 pormenorizou as obrigações do Poder Público quanto à educação, saúde, acessibilidade e outros. A lei 10.098 de 2000 dá prioridade no atendimento e regulamenta o uso do transporte público, entre outras coisas, e os decretos 3.298 de 1999 e 5.296 de 2004 dão outros pareceres sobre a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. São páginas e páginas de teoria. Francinaldo Lopes da Silva é advogado e mora em Brasília. “Veja a lei da acessibilidade, a 10.098, eu moro na capital da República e esta lei não é cumprida nem mesmo aqui. Existem muitos locais que não tem como um deficiente transitar pelo fato de não ser adequado pelo próprio poder público, no caso da educação não é diferente, o acesso ainda está muito distante do ideal. Os livros didáticos em braille existentes não atendem à demanda de deficientes visuais no País. Por isso, os próprios deficientes visuais têm que correr atrás de alguém que faça a gravação destes livros em áudio”. Ele relata que no ensino superior isso piora, pois não há apoio. Para Antonio Muniz, “Por mais paradoxal que pareça, o Brasil funciona para o deficiente visual como padrasto, negando-lhe educação básica e tecnologia; e ao mesmo tempo atua como um pai, propiciando a uns poucos privilegiados, que sou eu e alguns outros, oportunidades de estudo, de acesso aos meios tecnológicos e a uma chance de ser aproveitado no mercado de trabalho”. Centímetros, metros, quilômetros. O que se faz para reduzir distâncias? “Fazer uma lei e não velar pela sua execução é o mesmo que autorizar aquilo que queremos proibir”. Richelieu Referências: 6 Trechos de leis relacionadas à pessoa com deficiência. Subtítulo 5: Re-busca do Sentido Nome: Celso Bergmaier Idade: 24 anos Principal vitória: Olhar, e ver. Toda deficiência é difícil, mas acredito que a deficiência visual é a pior de todas. Alguém com deficiência física, como falta de algum membro consegue usar um computador, ver TV. Sem a visão a vida perde o sentido. Aos oito anos ele já usava óculos. Isso passou a ser insuficiente, já não podia enxergar o que os professores escreviam no quadro, as provas precisaram ser ampliadas para que ele conseguisse ver. Tarefas simples passaram a trazer dificuldades. Os médicos da cidade de Concórdia/SC lhe deram a sentença: a visão deveria piorar gradativamente. Não havia equipamentos suficientes para que a Cerotocone fosse diagnosticada, isso aconteceu somente em Cascavel. Ceratocone é uma doença que deforma a parte mais externa do olho, a córnea, tornando a visão cada vez mais turva. A visão de Celso sem o uso de lentes já estava bem debilitada. Viajar, conhecer lugares, pessoas, ser livre, ter independência, estudar eram expectativas de um adolescente que via o mundo desfocado, disforme, via a vida em vultos. Em 2002 surgiu uma esperança: submeter-se a uma cirurgia para colocação de anéis sob a córnea, que ajudariam a corrigir a deformação corneana, os Anéis de Ferrara teriam o poder de endireitar o mundo. Anestesia local. Cirurgia breve. Pós-operatório tranqüilo. E a sensação gradativa de poder ver. Poder dirigir é uma das maiores vitórias. Concluir o curso superior de Administração, estar cursando mestrado, poder exercer a profissão para a qual me preparei. Aprendi que não dá pra ficar parado e reclamando das coisas, quero aproveitar cada momento porque não sei o que pode acontecer amanhã. Sempre tive um bom relacionamento com os médicos e sou muito grato a eles, não foi fácil, e eu continuo fazendo acompanhamento de seis em seis meses. Na verdade não tenho como saber como estarei daqui a cinco anos. Nos olhos de azul magnético é possível ver o brilho, brilho que alguns podem chamar de otimismo, ou de esperança, ou apenas brilho de vida. Página 4: Contribuição de Antonio Muniz Finalmente a Unificação! Antônio Muniz Em João Pessoa/PB, no último dia 27 de julho, data que deve ficar definitivamente marcada no calendário tiflológico brasileiro, ocorreram três importantes Assembléias nacionais. A primeira extinguiu a União Brasileira de Cegos; a segunda, extinguiu a Febec (Federação Brasileira de entidades de e para Cegos), enquanto que a última fez surgir no cenário nacional, a ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil). Tanto a Febec como a UBC deram significativo passo em prol do crescimento do movimento dos cegos brasileiros. Extinguindo-se, ambas oportunizaram o surgimento de uma entidade unificada, que foi denominada ONCB (Organização Nacional dos Cegos do Brasil). Na assembléia de fundação, a nova organização, além de aprovar seus Estatutos Sociais, elegeu a primeira Diretoria. "Sessenta e três entidades participaram da assembléia, representando as cinco regiões do País", afirmou Joana Belarmino em mensagem divulgada na Internet, e prossegue: "Febec e UBC, agora como entidades liqüidantes, fazem parte de um passado recente de um movimento que tenta se afirmar, qualificar a atuação e ganhar mais respeito e dignidade frente às políticas públicas de inclusão e acessibilidade", conclui. Graças a José Álvares de Azevedo, jovem cego, e ao próprio Imperador D. Pedro II, o movimento tiflológico brasileiro teve início em 17 de setembro de 1854, com a fundação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos do Brasil, atualmente Instituto Benjamin Constant. Cem anos depois (1954), por conta dos esforços de lideranças emergentes como a Professora Dorina de Gouvêa Nowill, instituiu-se o CBBEC (Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos). Em 1976, com a decisão da ÔNU em proclamar 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, o movimento como um todo ganha grande impulso, passando as pessoas cegas a uma ação mais protagônica. O ano de 1979 marcará a criação da Coalizão Nacional de Entidades e Pessoas Deficientes, passando as pessoas cegas a tomar parte daquele movimento de forma mais efetiva, em 1981, no I Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, realizado em Recife, de 26 a 30 de outubro. O dia 15 de abril de 1983 assinala a fundação em Florianópolis da Febec (Federação Brasileira de Entidades de Cegos), cuja ata foi assinada por nove entidades estaduais. Em 1987, acontece em Fortaleza o I Encontro Nacional de Entidades de Cegos, promovido pela Febec em parceria com a Acec (Associação de Cegos do Estado do Ceará), quando as entidades nacionais presentes deliberam encontrar-se periodicamente para tentar unificar o calendário de eventos. 1988, às vésperas do I Congresso Mundial de Cegos, que ocorreu em Madri, na Assembléia do Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos, no Rio de Janeiro, as entidades nacionais assinam o "Protocolo UBC" (União Brasileira de Cegos), de natureza informal. Em 1993, o "Protocolo UBC" ganha personalidade jurídica, tendo sido registrado em São Paulo. Finalmente, em 2008, após inúmeras tentativas, Febec e UBC auto-extinguem-se para dar lugar à Organização dos Cegos do Brasil, ficando de fora do processo o Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos. Nossa esperança é de que a jovem diretoria da ONCB atenda às expectativas e aos anseios do movimento dos cegos brasileiros, há tanto tempo represados! Antônio Muniz é ativista do movimento das pessoas com deficiência e preside a Apec (Associação Pernambucana de Cegos). Subtítulo 5: Do lado de lá Está em discussão um projeto de lei que classifica as pessoas com visão monocular (somente um olho) como portadores de deficiência. Numa despretensiosa conversa pelo MSN com Marcelo (que só vê com um olho) surge a pauta. Marcelo diz: Logo vou poder andar de ônibus de graça. Mariana diz: Pois é, por causa daquela lei né, gostou? Marcelo diz: Sei lá. O que devo fazer agora? Mariana diz: Como assim? Marcelo diz: Quero meus direitos, haha, tô brincando, não sei se gostei ou não, não sei se existe esse preconceito. Talvez exista sim. Mariana diz: agora você pode ser contratado como portador de deficiência, né? Marcelo diz: Eu, particularmente, não me considero um deficiente físico; mas, por exemplo, não posso ser motorista. Não é uma restrição? Mariana diz: é Marcelo diz: e, olha, não enxergo em 3D, ou seja: não posso ser programador de jogos também! Mariana diz: estou perguntando, porque estou fazendo uma matéria sobre deficiência visual, e só agora me toquei que você pode ser uma fonte. Mariana diz: desculpe a ignorância, mas como você vê? Como quando eu fecho um olho ou diferente? Marcelo diz: Segundo a lei, eu vejo como uma fotografia sem plano, aliás, um único plano com as coisas chapadas, mas é como se você fechasse um olho mesmo. Faça isso: coloque uma venda num olho e ande. Pra um lado você vai tranqüila, pro outro, leva um tempinho até se acostumar. Mariana diz: Que idade você tinha? Marcelo diz: 13, eu acho, por algum motivo especial, não consigo me lembrar da época, só do fato. Mariana diz: Você já escreveu sobre isso? Marcelo diz: Acho que não. Mas, viu, você me deu uma ótima idéia Mariana diz: O quê? Mariana diz: Escrever sobre isso Marcelo diz: Escrever sobre isso Mariana diz: rs Marcelo diz: Uau Mariana diz: Transimento de pensassão Mariana diz: Quer fazer uma participação especial na minha matéria? Marcelo diz: Como? Mariana diz: Escrever o texto, e eu colocar como uma parte da reportagem, misturado com essa conversa nossa. Marcelo diz: Como é? Primeira pessoa? Mariana diz: Pode ser, fica à vontade Marcelo diz: Pode ser no meu estilo mesmo? Mariana diz: Deve, você escreve lindamente Marcelo diz: Tratando da cegueira como metáfora...? Qual o tamanho? Mariana diz: uns 3 mil caracteres pra mim fica bom, se não tenho medo do editor achar que eu sou preguiçosa. Segue o texto produzido por ele Marcelo Garcia burguesia.wordpress.com Risquei o fósforo: só havia o que se via, nada além da constelação de objetos turvos que se agrupavam diante de meus olhos; e eram objetos transparentes. A respiração opaca; o ar preso a casa, aos móveis (que se dispunham tão obscuramente); e eu era minhas mãos a tatear portas, paredes; e eu era minha localização; perdido dentro dessa redoma de teias, um pântano ao qual percorria ignorante e ignorado pelos seres que habitavam; e pude perceber, aguçando meu contato com o externo, que ali nada habitava definitivamente; tudo ali era túrgido, prestes a se dissipar – e, de fato, dissipavam-se ao toque; ao menor ruído as coisas se escondiam, encolhiam-se; mas eram minhas mãos suadas, esse líqüido viscoso que saía de minha pele o culpado; era a ele que as coisas defrontavam, desafiando a unidade de meu corpo, a minha unidade; o meu hálito curioso que beijava os pés da casa, aos tropeços, aos cuidados. E eu ia às debandadas, sugerindo caminhos, percorrendo degraus, estipulando trilhos e tempos; desabotoava a camisa e, dentro da umidade, ia enfrentando a sequidão: eram turvas linhas, conceitos de utilidade aos passos; eram fracas localizações e eram findas as esperanças. O jogo da sorte; os jogos mentais que se sobrepunham a mim, aos eixos de minha geografia, de meus sentidos – agora aguçados – que circundavam a casa e nada achavam; as portas sempre davam para um salão central; inútil decifrá-las; as escadas eram traiçoeiras; os móveis pouco diziam (não reconheci nem um); meus bolsos tinham funções auxiliares: deles retirei o fósforo que risquei. Pouco ou nada adiantou: apenas senti o calor do fogo próximo ao meu corpo, desalinhando meu tecido, aquecendo minha ansiedade: mas havia aquele estado de insônia; como se estivesse num quarto, e tudo me fosse íntimo; podia andar ali com os olhos vendados e saberia cada qual em seu lugar; cada mínimo ponto dessa estrutura, dessa arquitetura de acomodações; de uma confortável situação em que situamos os móveis ao nosso desejo e nossa sorte: porém meus pés me desafiavam, me davam indícios de descobertas, me ajustavam ao piso fofo, como se dissesse que era uma terra inexplorada por meus sentidos, mas não havia fofura alguma: eram secas as batidas de meu sapato; secas como a mão que de repente ligou-se a minha; e me apertou, como se eu fosse algum refúgio, uma casca dura na chuva, uma casa, uma linda casa de campo pela qual caminhávamos distantes e mais além dos sons, das batidas dos sapatos e era essa casa que eu procurava desde o início, saberia só agora, quando a mão tocou em meu pulso e foi se ajustando a minha maleável estrutura; alinhando os dedos até sentir-se fixa, rígida como um porto, uma fortaleza de embarcações: segurei-a também, apertei minha insônia e minha ansiedade, acomodei meus instintos – sem falar, sabia que seria inútil pronunciar perguntas, balbuciar respostas, eram inúteis e soube ao toque, ao sabor desse contato mínimo em que as palavras se dissipavam como móveis e sonhos. E era dessa mão, agora unida, que tirava as notas de minha composição, pois que a ela tive – como uma alucinação, uma condenação – a desvirtuada sensação de tê-la como um piano, ao passo que eu podia, então, compor minha canção, planejar meus passos; ouvindo meus passos fui classificando-os, calculando-os e logo tinha a canção pronta ao ouvido e ia executando-a na palma da mão; os dedos, as teclas. E caminhamos: sentindo o suor do corpo ao meu lado (e o meu também), sentia esse cheiro atrevido, e ao mesmo tempo sensual, que ia percorrendo narinas, membranas e ia impregnando-se ao passo, ao ar; e pude recorrer a ele quando errava o caminho; bastava apontar meu nariz para o lado oposto, seguir o cheiro – mas durou pouco, logo toda a casa recendia a esse aroma, logo toda a casa era um cheiro só; por isso, tratamos de recorrer a outras alternativas, outros sentidos, outras sensações que eram capazes de nos botar fora dessa incógnita; era preciso tatear, mais uma vez, paredes e portas; era preciso rastejar pelo chão; mesmo que estivéssemos em muitos, um bando, porque estávamos, de fato; ao que parece, toda uma ligação de corpos que eu sentia ao meu redor, ainda que o silêncio fosse brutal, quase descomunal para tantos; mas – penso agora – estávamos concentrados em sair, em descobrir qual a melhor saída; fantasticamente íamos pelos mesmos caminhos, a passos lentos, quase imóveis, adaptando-nos à situação; e neste caminho, encontrei uma porção de objetos obliterados: peguei uma parte com a mão livre e pude perceber a forma, a casca levemente peluda; não o reconheci de imediato, era preciso prová-lo, e ao cheirá-lo fui soletrando seu nome, ao mastigá-lo fui exprimindo suas sílabas, ao engoli-lo pronunciei seu nome; talvez tenha sido a primeira palavra expressada em voz alta, aos berros, aos gritos, aos tormentos; e dela retiraram esperanças os outros; e por ela vieram ao encontro; e todos juntos correram para essa fricção de sons; e, não menos todos, caíram aos tropeços, aos esbarrões, aos solavancos do encontro de dois ou mais corpos: e fui exprimido por essa multidão; fui eximido da busca, fui jogado – e agora era a fúria: só conseguia distinguir vozes, mas não concebia significados; fui jogado para cantos e centros e tomava cuidado para que nenhuma parte de meu corpo fosse ainda mais machucada – pretendia continuar a busca, mas já sem saber o que buscava; e, por isso, me fechei como uma concha, o rosto protegido até que os sons se desatinaram. Agora era perceptível a solidão: um chão fofo que me abraçava, um chão acolhedor; de imediato pude identificá-lo; era areia, areia; com muito esforço, abri os olhos: procurei por todos os lados a casa, até que encontrei o mar; platinado, claro demais para negá-lo e no entanto machucava tanto que era quase impossível aceitá-lo. Crônica da capa Singular É azul esverdeado ou verde azulado? Para mim está muito mais para o verde, certeza. Para mim é azul, absolutamente. É um copo meio cheio ou meio vazio? Não há dúvidas que meio cheio. Está muito mais vazio do que cheio, é óbvio. Está frio em Cascavel? Ô, muito, estou até com dois pares de meia, um sobre o outro. Que frio nada, está fresquinho, os invernos de Cascavel já foram mais rigorosos. Por isso eu sinto falta de Teresina, 30 graus até de madrugada. Ah! O sul, vinho e queijos pra aquecer as noites frias. É incrível. É lindo. É bonito. É bonitinho. É ajeitado. É razoável. É esquisito. É feinho. É feio. É ridículo. É horrível. Essa música me faz sentir um vazio, vontade de deitar, me espichar no tapete da sala e permitir que as notas ecoem no meu estômago. Essa mesma música me traz um preenchimento, vontade de andar... andar até as panturrilhas doerem, empurradas pelo ritmo. Praia. Montanha. Par. Ímpar. Chocolate preto. Chocolate branco. Novela. Futebol. Televisão desligada. O político do lado esquerdo diz “eu defendo a democracia”. O político do lado direito diz “eu defendo a democracia”. Mesma frase. Mesmo sentido? Olhando para a multidão os olhos mentem: dizem que vemos a massa. Não há massa. Vê-se recortes do mundo. Labirintos únicos embalados com pele com mais ou menos melanina, oleosas ou secas, jovens ou marcadas pelo tempo, mas pele quente. Pele de gente. O que é a loucura, se não uma forma a mais de ver o mundo? A cegueira é a escuridão? Ou a visão é o excesso de luz? Que cega os outros sentidos e ilumina estereótipos difíceis de superar. Fácil é deixar o lugar comum falar por nós, com pré-conceitos e pré-juízos transbordando por nossos lábios, “o lugar-comum é mesmo o refúgio universal, que livra de pensar e dá, a quem o usa, a impressão de que mergulha a colher na gamela da sabedoria coletiva e comunga das verdades eternas” me disse a Rachel de Queiroz e ela não mente. Ou talvez minta?

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